Por Luciano Rodrigues, Partner da Know2Grow
Eleito Donald Trump, não causam grande espanto as reacções inflamadas que vamos tendo pela Europa. Hoje mais do que em 2016, por um lado porque já conhecemos melhor Trump, mas também porque a Europa de hoje, apenas 8 anos volvidos, é uma Europa bastante diferente da de então.
Não vale a pena discutirmos se o homem é egocêntrico, lunático, verborreico ou louco. É um pouco (ou muito) de tudo isso, mas mais importante será perceber o que leva o país que é o motor do mundo ocidental no último século a elegê-lo por duas vezes. Podemos optar pela abordagem mais simples, que é o clássico “há duas Américas”, condescendente, desdizente e que por estes dias nos leva a analisar as percentagens de votos “county” a “county”, como se fizessemos a mais pequena ideia do que seja Maricopa ou discutissemos a multiplicidade étnica de Des Moines.
Há também, claro, o habitual “os americanos querem saber é de dinheiro no bolso”, uma vez mais realçando alguma pequenez de espírito por aqueles lados. E depois entramos no campo do esoterismo, não conseguindo encontrar qualquer explicação para tantos e tantos emigrantes apoiarem um homem que diz dos emigrantes o que Maomé não disse do toucinho…
Tudo isto, claro está, regado com a infindável superioridade moral e cultural europeias e aquele esgar trocista seguido de um “isto os americanos”…
No fim do dia, o que verdadeiramente nos preocupa, é que com Trump sabemos que o nosso irmão mais velho pode não aparecer no recreio para nos salvar o dia. E por circunstâncias várias, por estes dias somos vítimas de bullying no recreio: não temos capacidade de defesa robusta e, a que temos, não tem coordenação ; temos problemas sociais sérios entre nós que temos sequer dificuldade em reconhecer ; a nossa economia é anémica, sem qualquer inovação ou vanguarda ; não conseguimos que a nossa “União” seja verdadeira, sempre engalfinhados a discutir coisa nenhuma ; temos uma guerra aberta no recreio com o bully mor da escola, que acreditamos que se nos apanha a jeito faz de nós gato sapato ; estamos velhos e criámos um Estado Social maravilhoso e insustentável, que não conseguimos reformular ; somos demasiado racionais e cheios de pruridos nas nossas acções e pensamentos, o que nos leva a agir devagar, sem vigor nem crença ; e podíamos ficar aqui o resto do dia a elencar os nossos problemas. E apostar a sério os nossos esforços em resolvê-los. Em vez de andarmos a tentar adivinhar os dos Estados Unidos.
O que verdadeiramente importa no meio disto tudo é que nós sabemos que precisamos da América do nosso lado. Assim, Trump, que é tudo e mais alguma coisa de pouco recomendável – e que se rodeia do pior que por aí anda em termos éticos e morais, como o inenarrável Elon Musk -, mas é presidente dos EUA, passa a ser acima de tudo um problema nosso.
A vitória de Trump é uma vitória da Democracia: um Homem, um voto. A América que elegeu Trump hoje e em 2016 foi a mesma América que elegeu Obama em 2008. A Democracia elegeu Trump. Está viva.
Claro, uma eventual derrota de Trump seria um risco para a Democracia, já assistimos a esse filme e sabemos que não é bonito e o final pode não correr bem. Mas isso não é culpa da Democracia, mas sim da falta de decência. Porque é a falta de decência que coloca a Democracia em risco.
E falando de decência e Obama, Trump e Musk, recordo um momento que regularmente revisito, o discurso de derrota de McCain em 2008. Uma masterclass de decência, elegância, honestidade intelectual e sentido de Estado. Será que podemos voltar a ter líderes decentes?